segunda-feira, 12 de julho de 2010

Fazer a Ponte

Uma escola sem muros
A Escola da Ponte é uma escola de área aberta construída por vontade dos professores, onde não foram erguidos muros nos lugares em que os arquitetos derrubaram as paredes.
Porém é edifício-escola que pertmite o desenvolvimento de uma pedagogia orientada para uma práxis social de integração do meio na escola e da escola da vida, aliando o saber ao saber fazer.
Nesta escola não há sala de aula e não há aulas. Não como estamos acostumados num ensino mais tradicional. Há na verdade espaços de trabalho, onde no princípio do dia acolhe o trabalho em grupo, no meio da manhã pode servir para a expressão dramática e no fim do dia as crianças podem participar de um debate.
A distribuição das crianças por espaços específicos apenas no processo de iniciação - onde elas aprendem a ler, a escrever e a ser gente, e no processo de transição - onde algumas crianças permanecem por um tempo necessário para reconstruírem os seus itinerários de aprendizagem.
O espaço e o tempo de aprender
Em conjunto com as alterações arquitetônicas, outras opções organizacionais marcaram a ruptura com o modelo tradicional de organização da escola, que considerávamos não respeitar as individualidades e não favorecer o sucesso de todos.
A escola da ponte é adepta do dia escolar integral, pois para a instituição facilita a adoção de processos de organização e gestão participada do tempo e do espaço e a sua apropriação por parte da população escolar.
Todo o espaço está a dispor de todos os alunos, ao longo de todo o tempo de funcionamento da escola, sem consideração de classe e sem consideração de anos de escolaridade. A escola não abre mão dos conteúdos.
A vivência na comunidade escolar tem um caráter formativo, veiculador de valores sociais e de normas por todos assumidas e elaboradas com a participação de todos.
Repensar a escola
Ao estabelecer uma clara e definitiva ruptura com a organização em classe, esta escola assumiu, em concreto, a tarefa de encontrar uma outra forma de pensar a organização escolar. Essa ruptura teve consequência em vários níveis.
No domínio das relações interpessoais e do equilíbrio afetivo dos alunos, o quadro de direitos e deveres é aprovado pela Assembléia da Escola- de caráter mais formal e mais abrangente, servindo para preparar projetos, resolver conflitos, entre outros - no início de cada ano letivo.
O dispositivo Caixinha dos Segredos é onde as crianças depositam um recado, sempre que pretendem conversar em particular com algum professor.
Já o debate é um dispositivo de trabalho coletivo onde cabe a discussão de assuntos do interesse dos alunos.
A organização de meios e a gestão do bem-estar são de responsabilidade coletiva, de acordo com categorias de tarefas a que se dá o nome de Responsabilidades. O cumprimento das tarefas incumbe a grupos de alunos, aos quais se dá o nome de responsáveis.
No domínio do agrupamento de alunos, o grupo heterogêneo é a unidade básica adotada, embora a organização do trabalho alterne entre o trabalho em grupo, o trabalho em dupla e o trabalho individual. Apesar de o vinculo afetivo ser a base da constituição do grupo, prevalece uma condição para sua constituição: cada grupo deve incluir um aluno que tenha mais necessidades de cuidado. Os alunos podem mudar de grupo sempre que desejarem, desde que se mantenha a regra da heterogeneidade.
Todo o planejamento curricular se subordina, em primeira instância, ao quadro de objetivos afixado na parede de uma das salas. O plano de estudo é o mesmo para todos os alunos, mas há adaptações no currículo de cada um, em função das suas necessidades e capacidades, nomeadamente, no nível de iniciação e no de transição. Ao iniciar o dia, o aluno define seu plano individual.
A avaliação das aprendizagens é feita quando o aluno se sente preparado para o efeito. Cada aluno comunica o que aprendeu e faz a prova de aprendizagem só quando quer, quando se sente que é capaz.
As aprendizagem processam-se, quase sempre, em trabalhos de pesquisa, e não se subordinam a manuais iguais para todos os alunos. Quando algum aluno não consegue concretizar os seus objetivos, recorre à ajuda do grupo ou pede uma aula direta inscrevendo-se em um mural. Esta aula acontece em um espaço próprio e em função da área e da dificuldade identificada.
Educar é fornecer os meios e acompanhar processos de desenvolvimento. Na Escola da Ponte, o currículo é entendido como um conjunto de situações e atividades que vão surgindo e que alunos e professores reelaboram conjuntamente. A liberdade permitida a cada criança é concedida na proporção do que ela é capaz de utilizar. Nada é deixado ao acaso. As crianças agem livremente, integradas em espaços profundamente estruturados.
Os professores e os alunos manifestam livremente as suas preferências. Os alunos podem escolher com quem querem trabalhar. Mas os porfessores podem tomar a iniciativa de convidar alunos para a formação provisória de pequenos grupos, para desenvolvimento de projetos. Nos diversos espaços educativos, nunca está um professor isolado.
O rompimento com a organização tradicional da escola teve consequências também quanto ao repensar do ser docente. Do trabalho isolado passou-se ao trabalho de equipe educativa. Cada um dos elementos do corpo docente se especializa em duas áreas do currículo, de modo que se consiga dar todo o programa e não apenas o Português e a Matemática.
Os professores não precisam preparar aulas, por que não há aulas. Preparam, apenas e eventualmente, aulas muito especiais, as chamadas aulas diretas. Os professores preparam-se a si próprios, todos os dias, para responderem a tudo o que for necessário e para enfrentarem a imprevisibilidade. No final de cada dia, os professores reúnem-se para avaliar o trabalho do dia e prepara o do dia seguinte.
Cada professor tem dois tipos de funções e exerce-as em trabalho de pares.
O professor crê que é possível ensinar a todos como se fossem um.
Em nome da autonomia e da solidariedade
Na Escola da Ponte, as crianças são tratadas como crianças e não como alunos. O estatuto das crianças, a relação entre elas e com elas são imediatamente perceptíveis para quem visita a escola. As crianças apresentam-se aos visitantes como coisa sua, conhecem-lhe os meandros, dominam por completo os dispositivos pedagógicos, explicam os porquês de tudo o que fazem, de tudo o que vivem.
Quando chega à escola, brinca, quando percebe que os professores vão chegando, dirigi-se para uma das salas, após registrar a sua presença no painel.
A criança tem um papel ativo no ato de aprender. A gestão do tempo e dos espaços e materiais disponíveis requer uma consciência das necessidades, que é exercitada a todo momento pelo aluno, que conta com o permanente aconselhamento dos professores.
Na linha de Dewey pretendeu-se centralizar a aprendizagem nos interesses da criança.
Implicada em uma aprendizagem por descoberta, por meio de atividades de exploração e de pesquisa, em um processo significativo, a criança age como sujeito de aprendizagem. O papel do professor é o de fomentador de curiosidades, de orientador na resolução de problemas. Ele não se impões pelo estatuto, assume tarefas de estímulo e organização.
O conhecimento é algo pessoal, é construído pela própria pessoa por meio da experiência. Com isso, dizemos que a aprendizagem é um processo social.
Ente os princípios defendidos no projeto da Escola da Ponte estão o da significação epistemológica, o da significação psicológica, o da significação didática e o princípio da gradualidade.
Memórias
A escola não é hoje o que era há cinco, há dez, há vinte ou mais anos.
Nada foi inventado na Escola da Ponte. Em um longo processo de 25 anos, os problemas geraram interrogações, as interrogações conduziram à busca de soluções. Após as experiências cuidadosamente planejadas e aplicadas, algumas propostas acabaram por ser recusadas, outras passaram a integrar, sob diferentes formas, o que não pára de se transformar: o projeto da Escola da Ponte está sempre incompleto, sempre a recomeçar.
Uma escola de cidadãos não pode ser uma ilha. Um projeto de escola democrática é um ato coletivo. O sucesso dos alunos depende da solidariedade exercida no seio da equipe educativa. Por isso, os professores têm um papel fundamental no atendimento aos pais.
A associação de pais é um interlocutor sempre disponível e um parceiro indispensável, mas a colaboração dos pais não se restringe às atividades promovidas pela sua associação.
Riscos e fragilidades
O nosso projeto não é de um professor, é de uma escola, pois só poderemos falar de projeto quando todos os envolvidos forem efetivamente participantes, quando todos se conhecerem entre si e se reconhecerem em objetivos comuns.
Ao cabo de muitos anos, subsistem ainda muitos problemas, mas um destes problemas assume particular relevância. Se não surgir algum impedimento, o agrupamento de escolas em que, voluntariamente, nos integramos passará a ser uma escola básica, bem como a educação de infância.
Os professores envolvidos em projetos não procuram a obtenção de privilégios, bem pelo contrário: para viabilizarem a formação de equipes de projeto, muitos professores fizeram opções que acarretaram prejuízos para a sua vida pessoal e profissional.
Um dos riscos que o projeto sofre é a transição entre as equipes de professores. E como risco advém das fragilidades da formação (inicial e não inicial) que ainda se faz.
Sabemos que o trabalho dos professores poderá melhorar se lhes fores proporcionadas melhores ferramentas, que uma maior autonomia e investimentos pecuniários poderão contribuir para o incremento da qualidade do serviço prestado pelas escolas.
As modalidades de formação mais ajustadas às necessidades dos professores a envolver no projeto parece serem as mais intensamente ligadas às práticas e, entre estas, o círculo de estudo e o estágio de formação continuada.
Nos últimos dois anos, a experiência do estágio de formação continuada permitiu a criação de redes de colaboração entre professores e escolas.
Disseminar ou contaminar?
Nos últimos anos, a Escola da Ponte recebeu muitos milhares de visitantes, foi objeto de múltiplas investigações, matéria para teses, artigos e livros.
A validade da experiência da Ponte deve, pois, ser relativizada. O que possa ser transferível tem mais a ver com o espírito e a gramática do projeto. A Escola da Ponte apenas mostrou que há utopias realizáveis.
A Ponte é, como qualquer outro, um lugar de chegar, de ficar e de partir. Um lugar onde deliberada e intencionalmente se chega (como outros!) fazer crianças mais felizes. Um lugar de onde uns partem para levar sementes de sonho para outros lugares. Um lugar de onde outros partem, discretamente, para deixar que o sonho prossiga.
Referências: PACHECO, José. Fazer a ponte. IN, FETZNER, Andréa Rosana (org.). Ciclos em revistas: implicações curriculares de uma escola não seriada. Rio de Janeiro: Wak ed., 63-89, 2007.

Sem comentários:

Enviar um comentário